Das cinco áreas monitoradas pelo Ibram, apenas duas têm índices considerados bons. Na Rodoviária do Plano Piloto (foto), em Taguatinga e na Fercal, a concentração de partículas poluentes oferece risco à saúde
Bem diferente de outras metrópoles, a capital do país ainda pode se gabar do ar puro. Mas essa característica não está completamente garantida. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) divulgou ontem um estudo sobre a qualidade do ar do Distrito Federal. Dos sete pontos analisados em cinco localidades, apenas dois apresentam índices de poluição considerados bons pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Em 1990, o órgão estabeleceu a concentração de 80 microgramas de partículas poluentes por metro cúbico de ar como o limite aceitável. Segundo o levantamento do Ibram, os níveis da Fercal, da Rodoviária do Plano Piloto e do centro de Taguatinga ultrapassam a marca e podem oferecer risco à saúde da população.
Os moradores da Comunidade Queima Lençol, na Fercal, são os que mais sofrem com a má qualidade do ar. A concentração de poluentes na atmosfera está mais de cinco vezes acima do limite estabelecido pelo Conama — 438,321 microgramas por metro cúbico. A estação Fercal 2, localizada entre duas fábricas de cimento e próxima à DF-150, registrou 335,385 microgramas por metro cúbico, aproximadamente quatro vezes além do ideal. A atmosfera mais limpa da região — ainda assim tachada de regular — foi registrada na estação isolada Fercal 1, com 176,96 microgramas por metro cúbico. Na Rodoviária do Plano Piloto, o Ibram detectou 103,757 microgramas de partículas poluidoras. Em Taguatinga, 160 microgramas por metro cúbico. Os dois locais receberam o selo de regular pelo Ibram.
Os pontos que estão abaixo do limite estabelecido pelo Conama estão no Plano Piloto, na L2 Norte e na W3 Sul. “A principal fonte de emissão de poluentes está nos carros. De um mês para o outro, 10 mil veículos a mais circulam no DF. Com tecnologia e renovação da frota, é possível melhorar os índices”, explicou a técnica da gerência de monitoramento da qualidade ambiental do Ibram, Leilane Lara Moreira Cezar. “Esse estudo mostra um panorama para que as pessoas e o governo tomem decisões para o futuro”, disse. Apesar do alerta, ela pondera, afirmando que a qualidade do ar no DF, de forma geral, é boa.
Fumaça
De casa, Maria José Souza Silva, 41 anos, avista as fábricas que cercam a Comunidade Queima Lençol. Além da fumaça das cimenteiras, ela sofre com a falta de asfalto. “É poeira e fumaça de todas as cores por todos os lados. De manhã cedo, não enxergamos nada aqui”, contou. Ela tem problemas cardíacos há dois anos, diagnosticados pelo médico como sintomas dos poluentes inalados diariamente. “Tenho dificuldade de respirar. Sinto o pó e a fuligem na garganta toda hora”, reclamou. Maria José tem vontade de sair dali. Mas, até conseguir, precisa conviver com o ambiente insalubre.
O cobrador de ônibus Antônio Carlos Pinheiro da Silva, 29 anos, trabalha com os olhos irritados todos os dias. Na Rodoviária do Plano Piloto, lida com a fumaça expelida do cano de descarga das dezenas de coletivos. “Chego em casa cheirando a fumaça, com os olhos coçando e com muita tosse. O nariz sempre está escorrendo. Quando o clima está seco, sinto ainda mais”, disse. O pneumologista Ricardo Martins destaca os riscos da poluição para o corpo humano: “A poluição afeta a pele, os olhos e todo o sistema respiratório. Em estados avançados, as doenças podem chegar a edema pulmonar, que é a paralisação do órgão”.
Palavra de especialista: Prevenção necessária
“O DF tem áreas urbanas concentradas e, dentro dessas áreas, o grande fator poluente é o transporte. A área industrial não está tão próxima da cidade. As queimadas, por exemplo, podem ser fáceis de controlar, mas o crescimento do transporte individual é muito mais difícil. Apesar disso, a qualidade do ar no DF ainda é considerada boa. Os poluentes têm certa facilidade de dispersão em virtude da forma como a área urbana de Brasília foi idealizada. Com o aumento do número de veículos, porém, essa vantagem será suprimida com o passar do tempo. Nos fortes períodos de seca, o problema ainda se agrava. Como não existe a umidade para assentar as partículas poluidoras, forma-se uma camada de poluição sobre as cidades. A qualidade do ar cai bastante nesses meses. Uma forma de melhorar ainda mais a qualidade do ar é estancar o crescimento da frota de veículos no DF. Temos de pensar que, hoje, os problemas não são tão grandes. Mas, no futuro, serão.”
Felipe Azevedo, químico com mestrado em engenharia. Trabalha no laboratório de qualidade do ar da Universidade de Brasília (UnB)
E eu com isso
A qualidade do ar interfere diretamente na vida da população. Com menos oxigênio disponível na atmosfera, as pessoas inalam partículas poluentes em suspensão. Daí, surgem as doenças mais simples, como alergia e irritação nos olhos. Em casos mais graves, aparecem bronquites, rinites e até pneumonias. Se não houver cuidado, essas enfermidades podem evoluir para um enfizema pulmonar, quando o órgão deixa de trabalhar. Uma forma de amenizar os problemas decorrentes da constante poluição do ar é beber muita água, praticar exercícios físicos e evitar ficar em locais com muita fumaça — seja de veículos, fábricas ou produtos feitos de tabaco. Especialistas sugerem que as pessoas deixem mais o carro em casa e andem a pé ou de carona. Ao mesmo tempo, os governos locais devem investir em transporte público com frota renovada.
Fonte: Correio Braziliense